Rupturas Imaginadas
Artistas: Larissa Anne | Danilo Cunha | André Firmiano
Curadoria de Maria Luiza Meneses
de 23/11/2024 à 25/01/2025
Rua Araújo, 154 - mezanino - São Paulo
Caminhar pela maior cidade da América Latina é um exercício de observação da diferença. Nela, o ato de parar em qualquer ponto e rotacionar o corpo no próprio eixo, leva a perceber o quanto as distinções de classe são atravessadas por aspectos de raça, gênero e origens. Para tal, é necessário antever que a diferença só é positiva quando não afeta a dignidade humana. Neste caso falamos da riqueza na diversidade de idiomas, culturas, os diversos povos e origens, com suas múltiplas cores, sexualidades e gêneros. O contrário disso leva não à diferença natural e rica entre os seres, mas sim aos tratamentos diferenciativos que conduzem à desigualdade. Como espaço de realização da vida moderna, há séculos a cidade é tema de interesse de artistas em todo o mundo ocidental. No entanto, a cidade contemporânea é uma ruína colonial: organizada em compartimentos, uma simples mirada faz notar as zonas herdeiras da colonização e aquelas abandonadas por ela. Se a análise de Frantz Fanon avalia que a fronteira entre as zonas é mediada pela polícia, as cidades brasileiras aprofundam o processo: as zonas se permeiam constantemente com presenças pobres em meio a bairros ricos, favelas e condomínios de luxo separados por avenidas, pessoas a dormir no chão em frente a prédios onde a economia do país é decidida. As zonas centrais, periféricas e ricas são visualmente compreendidas por todos - um código assimilado. Os mediadores - a polícia - advêm de bairros pobres, treinados para proteger espaços nobres, e estão em toda parte. O próprio conceito de periferia não está mais associado à localização territorial, mas sobretudo à classe social que o habita e suas respectivas condições de vida e acesso aos demais locais. Mundo maniqueísta, separado, dicotômico, imóvel. Contra a rigidez colonial, a força dos movimentos: sociais, culturais, artísticos. Capazes de produzir fissuras, abrir frestas, romper barreiras, historicamente as resistências populares demonstram a força transformadora para a criação de novas formas de habitar, viver, dignificar. Atuantes desde o início da invasão portuguesa, apresentam ensaios de mundo, planos ancestrais, rupturas imaginadas.
A exposição “Rupturas Imaginadas” apresenta o encontro de três artistas a partir de suas distintas relações com a cidade. Cada um a seu modo, Larissa Anne, Danilo Cunha e André Firmiano elaboram visualidades de recusa e fuga de categorias limitantes, ao passo que ensejam imaginários radicais sobre mundos possíveis. Artistas entre a rua e o ateliê, iniciam suas produções a partir do graffiti e da pichação, em seguida migram para produções em estúdio como local onde o tempo de criação se expande. Neste sentido, as práticas de rupturas em seus trabalhos são notadas a partir dos materiais, referências e pesquisas que utilizam como base, tendo a cidade, suas vidas pessoais e a história social como recursos discursivos. Em comum, são artistas que transpõem limites estabelecidos: territórios, temas, categorias, linguagens e técnicas artísticas. Combinam estéticas urbanas, como a pichação em Danilo Cunha e o novo muralismo em Larissa Anne, com o fazer artístico tradicional da pintura, como visto na fatura do pincel em obras de Firmiano e Anne. As instalações de Cunha são produzidas a partir de práticas de coleta comuns na produção do artista. Por fim, suas trajetórias apresentam o gesto radical propriamente vindo dos aprendizados com a arte urbana: a habilidade de romper barreiras, ruptura com formas estabelecidas, realizar sonhos imaginados há séculos. No caso de Anne, Cunha e Firmiano, transpõem inclusive as barreiras do sistema das artes, que separa e categoriza artistas, linhas invisíveis que distanciam certas práticas dos espaços de galerias e museus.
Larissa Anne realiza pesquisas visuais sobre tempo e território. Suas investigações mesclam os sentidos entre passado, presente e futuro, através da escolha de signos que conectam a memória coletiva com as marcas sociais de certos períodos da história recente, regiões e grupos sociais. Desenvolve sua percepção da cidade tanto a partir do graffiti quanto pela formação em arquitetura, razão para a ênfase nas casas, materiais de construção, restos de demolição e objetos do cotidiano. O conjunto de três telas na exposição, apresenta pinturas elaboradas a partir do arquivo pessoal de Anne. Cenas de família convidam o público a notar características de casas dos anos 80 e 90, ambientes presentes no imaginário coletivo. Se engana quem acredita na inocência ou docilidade das pinturas de Anne: os signos, as cores e a configuração das imagens revelam medos, relações de poder exercidas por crianças do jardim de infância, familiares, sonhos de consumo e ilusões de futuro. Ao passo que dialogam com o passado, o conjunto se atualiza a cada passagem do tempo, a partir das reflexões contemporâneas sobre os modos de vida, expectativas e conquistas.
Danilo Cunha elabora obras a partir das referências visuais da contracultura, advindas do hardcore, punk, skate, movimento hip hop, e também da cultura pop. Sua prática consiste no tensionamento e reelaboração de sentidos daquilo que encontra durante trajetos cotidianos e intencionais. Objetos diversos, pedaços de lambe-lambes, demais partes e restos de detritos urbanos são coletados e recompostos numa radicalização do “caos” visual da cidade. Desta forma, ao invés de ordenar a desordem urbana, Danilo se envolve e radicaliza o caos, apostando em misturas e na potencialização da cidade a partir do que ela apresenta. Mais recentemente, sua pesquisa se aproxima da inteligência artificial. Para a exposição, o artista apresenta a pesquisa inédita sobre os modos de ocupação da cidade. Com tijolos, madeiras, lambe-lambes, espelhos de fachadas de prédios, placas de trânsito, videoartes e cédulas desenvolvidas pelo artista, Danilo apresenta obras que dialogam com as contradições e poéticas da cidade, ora pela diferença de materiais, ora pela beleza do reflexo dos céus e do voo dos pássaros.
A mais recente pesquisa de André Firmiano realiza investigações sobre o mito de criação do mundo a partir da filosofia Bakongo. Para tal, o artista resgata a percepção ancestral dos povos que habitavam o norte e centro de África sobre o nascer e o pôr do sol como compreensão sobre vida e morte, e como a mudança de continente a partir do tráfico escravagista levou a uma percepção invertida sobre estar vivo ou morto. Neste sentido, as 14 obras na exposição formam a série “A Quebra da Horizontalidade”, que ao mesclar cenas figurativas e abstratas, e utilizar cores em referência à iluminação artificial, remete a sensação virtual da realidade. Apresenta formas retangulares em alusão às janelas e portais entre dimensões, conectando a história negra ancestral com os usos contemporâneos das redes sociais e o futuro no metaverso. A origem do artista no movimento Hip Hop, especialmente no graffiti e cultura skate, configuram parte importante de sua percepção sobre território e emparelhamento de contextos históricos, artísticos e sociais.
Maria Luiza Meneses
Teoremas da Incompletude
Artistas: Amanda Mei | Camila Bardehle | Mariana Weigand
Curadoria de Ícaro Ferraz Vidal Junior
de 15/08/2024 à 26/10/2024
Rua Araújo, 154 - mezanino - São Paulo
A aproximação entre as obras de Amanda Mei, Camila Bardehle e Mariana Weigand e o desejo de dar nome ao que eu intuía atravessar essas três poéticas me levaram ao artigo "Sobre as Proposições Indecidíveis dos Principia Mathematica e Sistemas Correlatos", de Kurt Gödel ¹. Publicada em 1931, a obra produziu um solavanco na história da matemática. Nela, Gödel demonstrou os teoremas que dão título a essa mostra e que inscreveram a incompletude e a inconsistência no cerne da aritmética. A partir de então, sabe-se que há teoremas que são verdadeiros, mas não podem ser provados e teoremas que são verdadeiros e falsos ao mesmo tempo. O vertiginoso percurso da demonstração de Gödel não cabe aqui, mas a beleza de seu gesto talvez forneça uma mediação interessante para o encontro com os trabalhos de Mei, Bardehle e Weigand.
Gödel não foi o único, no século XX, a frustrar a esperança sedimentada ao longo do século precedente de um conhecimento ao qual nada faltasse ou escapasse. A incompletude passou a ser compreendida como um aspecto constituinte de muitos fenômenos e não como algo a ser superado através do aprimoramento das ciências ou recalcado por uma obra de arte total (gesamtkunstwerk). A exposição Teoremas da incompletude reúne três poéticas que herdam, em alguma medida, esse legado. A questão da impossibilidade da completude é desdobrada diferentemente por cada uma das artistas, que a circunscrevem a diferentes ordens de grandeza: Mariana Weigand trabalha sobre o terreno íntimo e afetivo da memória; Camila Badehle é uma arqueóloga da paisagem; Amanda Mei, uma cosmonauta entre fragmentos de corpos celestes. O íntimo e o cósmico alinham-se aqui através do elogio do fragmento.
*
A produção de Mariana Weigand desdobra-se nos campos da arte têxtil, da aquarela e do bordado. Estas linguagens permitem à artista construir obras que ancoram materialmente suas modulações afetivas e imaginação narrativa. Os tecidos operam na poética de Weigand tanto como suporte – espaço de negociação entre a intencionalidade da artista e a fluidez da aquarela –, quanto como fragmentos de histórias sobre as quais a artista nos convida a especular. As obras da série Amarras e a inédita Intersecção corpo memória são representativas da linguagem que a artista vem desenvolvendo na aquarela e de sua polivalência, uma vez que na referida série a pintura torna-se o fundo de uma cena bordada, enquanto na segunda obra ela convive com a linha de forma imanente, em um sistema de camadas e transparências. Nos Relicários e em Amarração, Fissuras e Fusões o tecido adquire protagonismo e se torna elemento compositivo, passando ao primeiro plano. Dois dos Relicários que apresentamos nascem de uma coleção de retalhos carregada de memórias e afetos da própria artista; um terceiro Relicário e as obras Amarração, Fissuras e Fusões têm origem em um vestido de noiva presenteado à artista e por ela decomposto em uma espécie de modelagem às avessas, saturada de simbolismo.
O procedimento empregado por Weigand na lida com o vestido de noiva dialoga intimamente com o gesto com que Camila Bardehle engendra seu projeto intitulado Deslocar a ruína. Trabalhando a partir de diferentes linguagens – performance, vídeo, fotografia, instalação, aquarela –, Bardehle tem investigado as interações entre o espaço construído e a natureza, a partir de territórios específicos. Do referido projeto, apresentamos um vídeo no qual vemos a artista percorrer as ruas de São Paulo traçando, sobre folhas de papel, o contorno de fragmentos de concreto coletados nas calçadas. O inventário das formas resultantes dessa arqueologia ficcional se desdobra em uma segunda obra da série, produzida em papel, na qual as formas dos fragmentos inventariados são recortadas, resultando em uma sobreposição de espaços vazios que condensa as tensões entre presença e ausência, entre passado e futuro, deslocando, efetiva e vertiginosamente, as ruínas para o espaço da galeria. Fragmentos de ruínas abundam nas caçambas que coletam os entulhos da nossa urbanidade. Tudo que é sólido se desmancha no ar reúne um conjunto desses resíduos da construção civil e o faz flutuar no espaço expositivo, formalizando material e espacialmente as contradições da frase que dá título à obra e alude a uma famosa passagem do Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels. Por fim, um conjunto de aquarelas representando fragmentos de rochas que compõem a brita, agregado muito utilizado na construção civil, integra a seleção de obras de Bardehle.
Se na obra de Camila os fragmentos de rocha, ao remontarem à brita, alegorizam a ação humana na construção do espaço, na obra de Amanda Mei as formas rochosas parecem ser dotadas de uma agência cósmica. Com uma prática na qual predominam as investigações nos campos da pintura e da instalação, Mei desenvolveu uma poética visual inconfundível, marcada pela predominância de tons azulados e pela construção de imagens que poderiam fazer referência ao nosso planeta ou a algum outro corpo celeste. A referida agência cósmica fica patente nos enigmáticos Meteoros da artista, esculturas confeccionadas em papelão, pintadas em uma paleta que oscila entre o cinza e o azul e instaladas no espaço como se recém-caídas do céu. A pintura Luna, representação circular de um corpo celeste, sugere uma integridade que as demais obras da artista friccionam: afinal, de onde se desprendem os Meteoros? Juntas, as obras Luna e Meteoro embaralham nosso entendimento acerca das relações entre a parte e o todo através de um salto para a escala cósmica e de uma aposta na entropia. Em relação a este último aspecto, destaca-se a série de pinturas Encontro marcado que, não apenas representa pictoricamente uma série de explosões mas o faz sobre um fundo de cor sólida, impressa digitalmente sobre o papel. À promessa de precisão cromática assegurada tecnologicamente, a artista sobrepõe a artesania da cor e a gestualidade explosiva da pintura. Um conjunto inédito de gravuras (relevo seco e colagem sobre papel) junta-se a esta seleção, projetando sobre a tradição da paisagem, outro campo caro à Mei, as problemáticas fronteiras que dividem as partes e o todo.
*
Os retalhos, entulhos e meteoros com que Mariana Weigand, Camila Bardehle e Amanda Mei constroem suas poéticas não parecem apontar para um desejo de reconstituição de uma totalidade supostamente perdida. A dimensão parcial e fragmentária da existência inscreve-se de forma inequívoca nesses elementos que, ademais, nos lembram que nós somos – subjetiva, política e cosmicamente – o resultado de tudo o que perdemos. Que sentido podemos dar à criação frente à nossa inexorável condenação à incompletude? Talvez, as obras reunidas em Teoremas da incompletude forneçam algumas pistas.
¹ Gödel, Kurt. On formally undecidable propositions of “Principia mathematica” and related systems. Nova York: Dover Publications, 1992.
Ícaro Ferraz Vidal Junior
Água Viva
Gravuras e fotografias de Giovana Grigolin
Curadoria de Renato de Cara
de 20/06/2024 à 03/08/2024
Rua Araújo, 154 - mezanino - São Paulo
“Como se arrancasse das profundezas da terra as nodosas raízes de árvore descomunal, é
assim que te escrevo, e essas raízes como se fossem poderosos tentáculos como
volumosos corpos nus de fortes mulheres envolvidas em serpentes e em carnais desejos
de realização(…)"
Clarice Lispector - Água viva
assim que te escrevo, e essas raízes como se fossem poderosos tentáculos como
volumosos corpos nus de fortes mulheres envolvidas em serpentes e em carnais desejos
de realização(…)"
Clarice Lispector - Água viva
Giovana Grigolin pensa a fotografia para levar o corpo a paisagens surreais. A (des)construção que a artista experimenta em suas narrativas em preto e branco, nos transporta para os ambientes mais diáfanos do movimento Dada, com grafismos, formas e volumes granulados, apenas sugerindo a entrega sublime da solidão.
Depois de apresentar colagens analógicas e digitais em sua mostra Tudo quanto tenho em 2018, Giovana começa esta nova série. Entre os anos de 2020 e 2023, ela pede para mulheres enviarem fotos dos seus corpos e do lugar que estavam habitando. Começa sobrepondo essas imagens e, em seguida, se aprimora na técnica da fotogravura junto ao ateliê da artista Cleiri Cardoso, para continuar provocando devaneios. Aliando-se ao breu, ao fogo, a tinta e suas chapas de metal, Giovana sugere estórias veladas na intimidade de cada uma.
Impressas em papéis especiais, com a delicadeza que nos remete aos processos orientais da produção de imagens, a artista arrisca sua linguagem atemporal para se afirmar na contemporaneidade.
Corpos que viram montanhas, água-viva; barco a vagar nos pensamentos, temos a anuência do corpo nu, camuflando-se entre outros obstáculos. A liberdade da vida no silêncio do isolamento. Amigas distantes, aproximando seus desejos e linguagens.
Renato De Cara
Interlúdio
Artistas: Maíra Acayaba | Luiz Eduardo Rayol | André Weigand
Curadoria de Mariana Leme
de 04/05/2024 à 08/06/2024
Rua Araújo, 154 - mezanino - São Paulo
Alguns painéis brancos deixam entrever o espaço interno. Num deles, há uma diagonal formada pela imagem de água e areia, Rio Negro. A fotografia que recebe o visitante lembra uma imagem aérea, como se fosse um drone a mapear — colonizar? — a paisagem. Mas foi feita com os pés no chão, molhados, provavelmente: a artista deixou-se afetar pelo lugar.
Em Interlúdio, exposição de Maíra Acayaba, Luiz Eduardo Rayol e André Weigand, a apreensão dos trabalhos depende das relações criadas entre eles e o espaço, que também se transformam na medida de uma caminhada. O sentido do conjunto se dá pelas frestas, ou num intervalo passageiro, como aponta o título derivado do vocabulário musical.
Da entrada, é possível ver um grande volume suspenso no ar que lembra uma pedra, pesada. Toda história do mundo - XXII, de Rayol, preenche parte do espaço de maneira imponente. De perto, é possível ver como se dá a materialidade da obra. E, então, sentir sua leveza. Ao seu lado, um pequeno Chakra que parece ter se desprendido de um todo maior e foi guardado com cuidado, numa moldura. Mas, embora os trabalhos nos convidem a imaginar histórias, estas serão sempre provisórias.
Duas fotografias em preto e branco foram feitas, por Weigand, em longa exposição. Esta técnica, ao contrário de “congelar” um instante da paisagem, mostra sua própria transitoriedade: mais que refletir o céu, a massa de água parece estar prestes a transformar-se também em luz, impalpável, ao mesmo tempo em que destaca a solidez das formações rochosas. Estas, por sua vez, num tempo muito mais largo que a percepção humana é capaz de apreender, também se transformarão. A depender dos acasos, se dividirão em outras menores, ou talvez em areia fina, como a do Rio Negro de Acayaba. A sílica presente na areia guarda o potencial de transformar-se em vidro, este material conhecido da humanidade há alguns milhares de anos, muito usado no armazenamento de coisas preciosas como água limpa.
Iara, outra fotografia de Weigand, parece operar o inverso. Nesse caso, a solidez das águas, como que transformadas em pedra, sugerem algo de infinito, que não termina justamente por causa da mudança constante, ou o “começo, meio e começo”, nas palavras do intelectual quilombola Antônio Bispo dos Santos. O espelhamento cria também um limiar, em que os dois lados de uma mesma imagem formam algo maior que sua própria soma: espécie de confluência visual, sugerindo tantas outras imagens quantas combinações forem possíveis. Afinal, uma confluência, no sentido de Bispo, é o encontro entre diferentes que, ao contrário de produzir uma síntese ou um todo dominante, amplifica os corpos, sem retirar-lhes a singularidade da origem.
Suspensas no espaço — e, quem sabe, no tempo —, há quatro vistas de uma praia, em que se vê uma estrutura de concreto em ruínas. Não se sabe ao certo o que teria sido esse exemplar “brutalista” da arquitetura brasileira, mas as pessoas ao fundo e os outros seres que habitam o lugar parecem não lhe dar importância. As fotografias de Acayaba não apenas registram o abandono da construção (algo relativamente comum no Brasil), mas parecem sugerir o absurdo da ideia de progresso. Nesse caso, o estranhamento se materializa na forma de uma estranha “carranca” que nunca navegará o mar à sua frente; a “boca” está aberta, mas parece que foi fincada num espeto. Apesar de tudo, a vegetação rasteira cresce, as folhas das palmeiras seguem arqueadas pelo vento, a luz elétrica se transmite pelos fios. As imagens, de fato, mostram os quatro ângulos do objeto, mas ele segue impassível, suscitando interpretações tão diversas quanto vagas, ao mesmo tempo que, sabemos, está sendo corroído.
Num canto formado por uma parede e os caixilhos da janela, há outro trabalho leve de Rayol, de aparência pesada. Têmpera e acrílica qualificam os fragmentos de papel, sugerindo ou ampliando relevos. Tân-ato contém “laços” em suas extremidades que servem de sustentação ou, em outros casos, apenas estão ali, talvez como a vegetação rasteira da praia: inútil, do ponto de vista do “progresso”. Elas formam membranas, composição e ritmo, como se estivessem em vias de se movimentar. Tânato, a personificação da morte na antiguidade grega, não tem o sentido de fim, mas de passagem, explicitado na divisão da palavra pelo artista, que termina em “-ato”: recomeço, portanto.
Não por acaso, o espaço que acolhe os trabalhos situa-se também num limiar, em que os vidros transparentes deixam a cidade à mostra, e o público é convidado a subir as escadas ao lado de um estacionamento de carros — esses “seres” que em pouco tempo se tornarão tão estranhos quanto aquele de concreto, nas fotografias na praia. Na verdade, talvez seja possível dizer que estamos todos imersos numa espécie de interlúdio: o meio entre dois começos no qual as consequências de séculos de extrativismo humano e não humano se tornaram agudas.
Ao fundo da galeria há uma fotografia envolta por azulejos que resistiram a demolições e foram coletados por Weigand. Azulejos que um dia foram barro e que escaparam de virar entulho, imagem de casas e coisas que não se sabe bem onde estão. Ao seu lado, outro pequeno Chakra guardado com cuidado e mais uma das vistas da construção na praia. A variação de dimensões dos trabalhos faz com que eles próprios se modifiquem, sugerindo que nem mesmo a singularidade de um corpo exista de maneira inequívoca. Afinal, a vida também acontece pelas frestas, em confluência.
Mariana Leme
do resto ao gesto
Artista: Alex Barbosa
Curadoria e Expografia de André e Mariana Weigand
Cine Itá Cultural
Rua Visconde do Rio Branco, 51 - Atibaia
de 25/02/2024 à 09/03/2024
Vamos fazer um exercício: Você está em pé, de frente para uma pequena peça de madeira. Nela podem haver singelas inserções, casinhas ou corações. Não se engane, não economize tempo, existe um mundo ali. Foi finamente esculpida e de forma delicada mostra a brutalidade do tempo estampada em sua constituição. Mas, para ver seu todo, não pode haver receio de parecer um pouco ‘bobo’, como diz o próprio artista, e deixar as responsabilidades de lado.
No poema “O Poeta”¹, Manoel de Barros assume sua irresponsabilidade e entra no mundo das imagens. Alex Barbosa por sua vez assumiu a dele ao desmontar a cama do pai para usar de matéria prima para construir seu primeiro instrumento musical, gesto este que o levaria para o mundo da escultura.
Com restos de madeiras nobres provenientes da luteria, de sua produção autoral de instrumentos musicais de corda, Alex, no intuito de dar valor a tudo o que as árvores representam, esculpe obras que ganham histórias diferentes a cada interação e a cada observador que as encontra. É preciso imaginar e sonhar para nesta coleção de poemas.
Essas histórias começam muito antes de Alex iniciar sua interação artística com as madeiras. Alex garimpa, sempre atento por onde anda e onde pode haver alguma peça de madeira, limpa, cuida, hidrata, descobre a espécie, a idade e de onde veio. Algumas esculturas são verdadeiras xilotecas.
Materialmente, esse resto² levou a um gesto³, mas antes do resto, havia outro gesto. O gesto levou ao gesto. Sempre foi o gesto. A intenção de exprimir e realizar algo que o tirasse de uma condição e o levasse para condução. Condução à sua maneira de ser no mundo.
Natural de Atibaia, Alex semeou bastante no campo da educação, com aulas para instituições e escolas, onde foi agraciado por um pequeno aluno pelo nome “Tio Árvore”. Fruto da parceria com a WG galeria, que também iniciou suas atividades com espaço físico em Atibaia e hoje se encontra no centro de São Paulo, esta é a primeira individual do artista em sua cidade de origem.
Esta exposição convida o público a chegar perto, sem pressa e sem medo de adentrar e sonhar junto os poemas que arvorecem das mãos de Alex Barbosa.
No poema “O Poeta”¹, Manoel de Barros assume sua irresponsabilidade e entra no mundo das imagens. Alex Barbosa por sua vez assumiu a dele ao desmontar a cama do pai para usar de matéria prima para construir seu primeiro instrumento musical, gesto este que o levaria para o mundo da escultura.
Com restos de madeiras nobres provenientes da luteria, de sua produção autoral de instrumentos musicais de corda, Alex, no intuito de dar valor a tudo o que as árvores representam, esculpe obras que ganham histórias diferentes a cada interação e a cada observador que as encontra. É preciso imaginar e sonhar para nesta coleção de poemas.
Essas histórias começam muito antes de Alex iniciar sua interação artística com as madeiras. Alex garimpa, sempre atento por onde anda e onde pode haver alguma peça de madeira, limpa, cuida, hidrata, descobre a espécie, a idade e de onde veio. Algumas esculturas são verdadeiras xilotecas.
Materialmente, esse resto² levou a um gesto³, mas antes do resto, havia outro gesto. O gesto levou ao gesto. Sempre foi o gesto. A intenção de exprimir e realizar algo que o tirasse de uma condição e o levasse para condução. Condução à sua maneira de ser no mundo.
Natural de Atibaia, Alex semeou bastante no campo da educação, com aulas para instituições e escolas, onde foi agraciado por um pequeno aluno pelo nome “Tio Árvore”. Fruto da parceria com a WG galeria, que também iniciou suas atividades com espaço físico em Atibaia e hoje se encontra no centro de São Paulo, esta é a primeira individual do artista em sua cidade de origem.
Esta exposição convida o público a chegar perto, sem pressa e sem medo de adentrar e sonhar junto os poemas que arvorecem das mãos de Alex Barbosa.
André e Mariana Weigand
¹ Manoel de Barros, Ensaios Fotográficos
² ³ definições de Oxford Languages
Resto²
substantivo masculino;
o que sobra, o que fica de um todo de que se retirou uma ou várias partes;
aquilo que resta, que permanece; remanescente;
Gesto³
substantivo masculino;
movimento do corpo, esp. das mãos, braços e cabeça, voluntário ou involuntário, que revela estado psicológico ou intenção de exprimir ou realizar algo; aceno, mímica; m.q. GESTICULAÇÃO ('ato');
Domar o Tempo
Artistas: Leandro Machado | Vanessa Ximenes
Curadoria de Henrique Menezes
Rua Araújo, 154 - mezanino - São Paulo
de 22/02/2024 à 24/03/2024
Dominar o fogo, prever as estações, manipular toda matéria ou disciplinar qualquer comportamento: afeitos ao poder e à razão, somos conduzidos pela ambição de desbravar e governar a realidade, seja em nosso cotidiano estrito ou no mais abstrato coletivo. Aceitar o entorno como um fato social amoldado pela força e pela ciência — pelo gesto e pela consciência — talvez seja uma adequada chave para adentrarmos a exposição Domar o Tempo. Reconhecendo as particularidades e complexidades das produções de Leandro Machado e Vanessa Ximenes, podemos sugerir que as séries reunidas apropriam-se de elementos — por vezes traumáticos — de múltiplas temporalidades para absorver suas forças, deglutir e esgarçar suas simbologias e, como consequência, reinserir suas obras através de formulações igualmente individuais e universais.
Ergue-se ao centro da WG galeria um grande sudário em algodão com onze metros de largura: para além de uma mera exacerbação material, a obra de Leandro Machado não busca protagonismo pela escala agigantada, alcançando seu efeito através de uma estratégia oposta, quando apenas a observação à curta distância imprime o teor pretendido pelo artista. Às centenas, enfileiram-se marcas deixadas pela pressão e permanência de ferros de passar roupa, índices memoriais do período colonial quando a atividade exaustiva frente ao fogo açoitava homens no trabalho extrativista e mulheres na submissão a tarefas não menos estafantes. Cada ferrogravura — evocando também as escaras que imprimiam a posse do corpo negro à base de tortura — é derivada de um fazer ritualístico no qual Leandro empenha oito, nove, dez horas de ação performática — embora jamais encenada — na busca por lenha, alimentando as chamas, aquecendo o metal e expondo-se ao fogo para marcar o tecido.
Com uma trajetória que se adensa há duas décadas, a produção de Leandro Machado ainda é pouco reconhecida para além das fronteiras do Rio Grande do Sul — assim como tantos nomes cuja visibilidade é eclipsada pela posição periférica no mapa nacional. Sem limitar-se às reflexões raciais que hoje balizam a adequada atenção das instituições culturais nacionais, o artista vem empregando técnicas e materiais ditos precários — a exemplo de pinturas que subvertem o alisante de cabelo henê, das frotagens extraídas em necrópoles, além de suas grandes esculturas com gradis coletados pela paisagem ou a inédita série Interditos, composta por instrumentos de sopro emudecidos.
Leandro dá forma a escrevivências sedimentadas igualmente no passado dos oceanos e da terra, mas também nos muros e no asfalto — não esqueçamos a origem urbana do artista. Ao elucidar o percurso de Leandro, o crítico Paulo Herkenhoff sugere que “a dimensão trágica do tempo da escravidão no Brasil em Machado são vestígios de descaminhos”: seja através do exílio ou dos pequenos trânsitos cotidianos, a ideia de deslocamento é uma constante na produção do artista, alimentada pelas vicissitudes de um itinerário solitário, pelo estado meditativo nas peregrinações ou em cada revelação daquilo que Leandro nomeia arqueologia do caminho.
À semelhança do fazer de um arqueólogo, Vanessa Ximenes também revolve o tempo na busca por narrativas que poderiam se esmaecer pelo esquecimento: a ação gestual sobre a bruta matéria — assumindo a ancestralidade do barro como mineral — é acompanhada por um rememorar que une, em simbiose, a figura de olhos e vidros, aproxima mãos entrelaçadas e relógios arcaicos. Facejando passados recentes, a artista confere às obras um caráter igualmente confessional e terapêutico: na mesma medida, deposita nas formas intenção memorialística e reconfigura as simbologias através do misticismo e do sincretismo — do tarô à umbanda. Drummond talvez tenha criado uma das mais pungentes descrições da cor em nossa literatura ao relatar o encontro do vermelho e do branco, paleta recorrente na produção de Vanessa: “por entre objetos confusos, mal redimidos da noite, duas cores se procuram, suavemente se tocam, amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom a que chamamos aurora”.
Há ferro e há fogo. Leandro e Vanessa dão corpo ao tempo não por sua reencenação, mas sim ao compartilhar o que ainda não está apaziguado, buscando na verdade das ferramentas e materiais o simbolismo do que resta bruto no passado. Do mar, não há como abrandar as tormentas.
Ergue-se ao centro da WG galeria um grande sudário em algodão com onze metros de largura: para além de uma mera exacerbação material, a obra de Leandro Machado não busca protagonismo pela escala agigantada, alcançando seu efeito através de uma estratégia oposta, quando apenas a observação à curta distância imprime o teor pretendido pelo artista. Às centenas, enfileiram-se marcas deixadas pela pressão e permanência de ferros de passar roupa, índices memoriais do período colonial quando a atividade exaustiva frente ao fogo açoitava homens no trabalho extrativista e mulheres na submissão a tarefas não menos estafantes. Cada ferrogravura — evocando também as escaras que imprimiam a posse do corpo negro à base de tortura — é derivada de um fazer ritualístico no qual Leandro empenha oito, nove, dez horas de ação performática — embora jamais encenada — na busca por lenha, alimentando as chamas, aquecendo o metal e expondo-se ao fogo para marcar o tecido.
Com uma trajetória que se adensa há duas décadas, a produção de Leandro Machado ainda é pouco reconhecida para além das fronteiras do Rio Grande do Sul — assim como tantos nomes cuja visibilidade é eclipsada pela posição periférica no mapa nacional. Sem limitar-se às reflexões raciais que hoje balizam a adequada atenção das instituições culturais nacionais, o artista vem empregando técnicas e materiais ditos precários — a exemplo de pinturas que subvertem o alisante de cabelo henê, das frotagens extraídas em necrópoles, além de suas grandes esculturas com gradis coletados pela paisagem ou a inédita série Interditos, composta por instrumentos de sopro emudecidos.
Leandro dá forma a escrevivências sedimentadas igualmente no passado dos oceanos e da terra, mas também nos muros e no asfalto — não esqueçamos a origem urbana do artista. Ao elucidar o percurso de Leandro, o crítico Paulo Herkenhoff sugere que “a dimensão trágica do tempo da escravidão no Brasil em Machado são vestígios de descaminhos”: seja através do exílio ou dos pequenos trânsitos cotidianos, a ideia de deslocamento é uma constante na produção do artista, alimentada pelas vicissitudes de um itinerário solitário, pelo estado meditativo nas peregrinações ou em cada revelação daquilo que Leandro nomeia arqueologia do caminho.
À semelhança do fazer de um arqueólogo, Vanessa Ximenes também revolve o tempo na busca por narrativas que poderiam se esmaecer pelo esquecimento: a ação gestual sobre a bruta matéria — assumindo a ancestralidade do barro como mineral — é acompanhada por um rememorar que une, em simbiose, a figura de olhos e vidros, aproxima mãos entrelaçadas e relógios arcaicos. Facejando passados recentes, a artista confere às obras um caráter igualmente confessional e terapêutico: na mesma medida, deposita nas formas intenção memorialística e reconfigura as simbologias através do misticismo e do sincretismo — do tarô à umbanda. Drummond talvez tenha criado uma das mais pungentes descrições da cor em nossa literatura ao relatar o encontro do vermelho e do branco, paleta recorrente na produção de Vanessa: “por entre objetos confusos, mal redimidos da noite, duas cores se procuram, suavemente se tocam, amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom a que chamamos aurora”.
Há ferro e há fogo. Leandro e Vanessa dão corpo ao tempo não por sua reencenação, mas sim ao compartilhar o que ainda não está apaziguado, buscando na verdade das ferramentas e materiais o simbolismo do que resta bruto no passado. Do mar, não há como abrandar as tormentas.
Henrique Menezes
Imenso Interno
Artistas: Alberto Lizarazo | Alex Barbosa | Alicia Abe | Ana Elisa Carramaschi | André Weigand | Danilo Cunha | Eduardo Sampaio | Fabio Delduque | Gui Valverde | Leandro Machado | Luiz Eduardo Rayol | Mariana Weigand | Vanessa Ximenes
Curadoria por Arte Serrinha
Rua Araújo, 154 - mezanino - São Paulo
de 22/02/2024 à 24/03/2024
Como uma exposição de arte pode discutir nos dias de hoje questões fundamentais da existência humana como fé e espiritualidade no fazer artístico? Sem a pretensão de alcançar uma resposta única ou definitiva à pergunta, a proposta da exposição Imenso Interno que inaugura o novo espaço da WG galeria funda-se justamente na
coexistência das distintas possibilidades de se abordar o tema da espiritualidade humana, suas expressões e significados.
Foi movida por esta provocação que a direção da WG galeria reuniu-se com Fabio Delduque e Veridiana Aleixo, coordenadores da Arte Serrinha de Bragança Paulista, dando início a um processo curatorial colaborativo e horizontal.
Arte Serrinha é uma iniciativa que há mais de 20 anos realiza festivais de arte, exposições e residências artísticas com ênfase nas artes visuais tendo, no entanto, como principal característica o encontro de diversas linguagens.
Encontro. Palavra com origem no latim incontrare, por sua vez formada por IN-, “em” e CONTRA, “oposto”1. Pode também significar “junção de pessoas ou coisas que se dirigem para o mesmo ponto ou se movem em sentido oposto”2.
A palavra encontro remete, portanto, à ideia de elementos opostos, contrários entre si que, por alguma razão, se unem, dirigindo-se a um mesmo fim, ou a um mesmo sentido, não há melhor termo para expressar a essência do que acontece nesta exposição. Os trabalhos dos 13 artistas representados, com trajetórias, práticas artísticas e visões de mundo diversas - por vezes diametralmente opostas - compõem um mosaico plural que tensiona o espaço, como uma rede elétrica conectora por onde correm cargas de afetos, luto e dor, crenças, memórias e sonhos. Esta rede também revela o próprio fenômeno da criação artística, um elemento espiritual comum a todos que dá à luz obras que expressam as distintas maneiras com as quais cada um dos artistas vive este tema arquetípico.
Dentro da prática de construção coletiva de sentidos em conversas entre os curadores, artistas e equipe da WG, duas perguntas foram lançadas aos artistas: “de onde vem sua arte?” e “o que é espiritualidade para você?”. Perguntas distintas que tinham como intenção investigar coletivamente a ideia de que fazer arte é, de fato, uma experiência espiritual. A exposição nasce desse processo que constrói um espaço-tempo comum onde é materializada a pluralidade de universos singulares e espirituais dos artistas.
Como escreveu Kandinsky «todo aquele que mergulhar nas profundezas de sua arte, à procura de tesouros invisíveis, trabalha para elevar esta pirâmide espiritual, que alcançará o céu».
Imenso Interno convida o público a um mergulho no misterioso mundo da criação artística como a mais humana das práticas, justamente por sua natureza espiritual. Um ato que, há milênios, condensa e traduz a imensidão infinita que forma cada um de nós.
coexistência das distintas possibilidades de se abordar o tema da espiritualidade humana, suas expressões e significados.
Foi movida por esta provocação que a direção da WG galeria reuniu-se com Fabio Delduque e Veridiana Aleixo, coordenadores da Arte Serrinha de Bragança Paulista, dando início a um processo curatorial colaborativo e horizontal.
Arte Serrinha é uma iniciativa que há mais de 20 anos realiza festivais de arte, exposições e residências artísticas com ênfase nas artes visuais tendo, no entanto, como principal característica o encontro de diversas linguagens.
Encontro. Palavra com origem no latim incontrare, por sua vez formada por IN-, “em” e CONTRA, “oposto”1. Pode também significar “junção de pessoas ou coisas que se dirigem para o mesmo ponto ou se movem em sentido oposto”2.
A palavra encontro remete, portanto, à ideia de elementos opostos, contrários entre si que, por alguma razão, se unem, dirigindo-se a um mesmo fim, ou a um mesmo sentido, não há melhor termo para expressar a essência do que acontece nesta exposição. Os trabalhos dos 13 artistas representados, com trajetórias, práticas artísticas e visões de mundo diversas - por vezes diametralmente opostas - compõem um mosaico plural que tensiona o espaço, como uma rede elétrica conectora por onde correm cargas de afetos, luto e dor, crenças, memórias e sonhos. Esta rede também revela o próprio fenômeno da criação artística, um elemento espiritual comum a todos que dá à luz obras que expressam as distintas maneiras com as quais cada um dos artistas vive este tema arquetípico.
Dentro da prática de construção coletiva de sentidos em conversas entre os curadores, artistas e equipe da WG, duas perguntas foram lançadas aos artistas: “de onde vem sua arte?” e “o que é espiritualidade para você?”. Perguntas distintas que tinham como intenção investigar coletivamente a ideia de que fazer arte é, de fato, uma experiência espiritual. A exposição nasce desse processo que constrói um espaço-tempo comum onde é materializada a pluralidade de universos singulares e espirituais dos artistas.
Como escreveu Kandinsky «todo aquele que mergulhar nas profundezas de sua arte, à procura de tesouros invisíveis, trabalha para elevar esta pirâmide espiritual, que alcançará o céu».
Imenso Interno convida o público a um mergulho no misterioso mundo da criação artística como a mais humana das práticas, justamente por sua natureza espiritual. Um ato que, há milênios, condensa e traduz a imensidão infinita que forma cada um de nós.
Veridiana Aleixo e Fábio Delduque
¹ Fonte: www.origemdapalavra.com.br
² Fonte: dicionário Michaelis